terça-feira, 18 de março de 2014

Eu me chamo Antonio. Sou fã e recomendo.

Li esse texto ontem a noite, e achei que vale muito a pena compartilhar. O texto exprime tamanho conhecimento sobre relacionamentos e faz uma analogia com o tempo de uma musica. Sensacional! Recomendo, mil vezes!

http://www.intrinseca.com.br/site/2014/03/uma-nota-sobre-o-amor/ 

"Aperte o play que o texto vai começar. Tenho pouco tempo. Inspiro-me no jazz e improviso algumas palavras. Saio para passear para um destino aleatório, as músicas vêm comigo em modo shuffle e dão as mãos aos meus ouvidos. Imagino como seria o amor se este durasse o tempo de uma canção.
0min23s
Os primeiros trinta segundos são cruciais. A gente nunca sabe o que vem pela frente. Se o que nos espera é uma levada de punk, um batidão de funk ou uma sinfonia interminável daquelas do tempo de Beethoven. Ainda andamos desatentos, angustiados. Na sombra desenhada pelo sol o que aparece é um menino assustado que não sabe aonde ir, nem se vai chegar nesse destino aleatório. Mas é inevitável: num esbarro, numa rua sem saída, numa olhada distraída, o amor sempre há de acontecer. Abro um sorriso, a música continua.
1min12s
O primeiro minuto é decisivo. Os instrumentos começam a ganhar espaço e se arranjar na linha melódica. Cada um no seu devido espaço, todos em harmonia. Ah, se as pessoas escutassem mais as flautas, os pianos, os violões. Tenho a mais absoluta certeza de que teríamos menos vilões. Você está comigo? A voz no fone direito me tranquiliza. Pelo timbre parece ser a Nina Simone. Quando menino, eu achava que ela fosse brasileira. Pelo nome, talvez. Na época, não diferenciava inglês de português. Hoje, nada disso importa. A música tem linguagem própria, tem conexão direta com os sentimentos, e sentimentos não têm fronteiras. O amor agora me dá as mãos, o refrão ameaça entrar.
 1min53s
Em coro, admito: você é mais bonita que um solo do Jimmy Page, que um verso do Cartola, que a voz da Nina Simone, que um álbum dos Beatles, que os olhos do Chico. Quando a gente se encaixa, o refrão fica tão mais bonito. É a mesma sensação de passear na beira de um lago em algum jardim no mês de maio. Em Paris, talvez. Eu, sol bemol; você, fá sustenido; e a gente se toca no mesmo arranjo. Cá entre nós: até um lá menor fica maior aqui, quando estamos juntos no mesmo acorde. Bom dia! Dormiu bem?
PAUSE
O amor também precisa de silêncios, a gente também precisa de pausas. Breves intervalos. Passamos da metade da canção e o sentimento ainda está inteiro. Intacto feito aquele bom e velho compacto do Chico. Estamos literalmente em Construção. Nenhuma faixa está arranhada. Não há mais aquela ameaça de um sonoro adeus. Já lhe emprestei meu casaco. Já não deixo a toalha molhada sobre a cama. Minha escova é um pouco sua. Olha só: a gente pode dar samba!
 2min57s
Agora que o amor finalmente começou, a música parece encontrar seu fim. Ontem saí para passear e o setlist me fez lembrar você. Sempre desconfiei que o amor fosse aquela faixa escondida do nosso álbum predileto. Aquela que chega depois de um longo silêncio: compassos longos, com passos largos, com paciência, em paz, ciente. Ela demora, mas chega. Ele demora, mas chega. É sempre assim: a saudade bate em looping, a gente apanha em shuffle, mas insiste em não desmarcar o botão repeat.
STOP
Se você chegou até aqui, aguarde alguns segundos que o texto vai recomeçar já já."
SOBRE O AUTOR :
*PEDRO GABRIEL nasceu em N’Djamena, capital do Chade, em 1984. Filho de pai suíço e mãe brasileira, chegou ao Brasil aos 12 anos — e até os 13 não formulava uma frase completa em português. A partir da dificuldade na adaptação à língua portuguesa, que lhe exigiu muita observação tanto dos sons quanto da grafia das palavras, Pedro desenvolveu talento e sensibilidade raros para brincar com as letras. É formado em publicidade e propaganda pela ESPM-RJ e criador de “Eu me chamo Antônio”, perfil do Instagram e página do Facebook que deram origem ao livro Eu me chamo Antônio, lançado pela Intrínseca.

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